Então, qual é o lugar da moralidade?
Em uma conferência no exterior, fui abordado por uma
jovem mulher, que perguntou se poderia conversar comigo em particular. Tão logo
encontramos um par de poltronas e nos sentamos para conversar, fui informado de
que ela estava a quilômetros de distância de seu país natal e que tinha vivido
algumas experiências terríveis. Sua mãe havia sido uma linda mulher, mas seu
pai, de acordo com suas palavras, não tinha a mesma aparência admirável.
Mediante um casamento arranjado, começaram a vida em comum, porém seu pai
sempre se ressentiu da beleza da mulher e dos elogios que recebia, já que
jamais era alvo de cumprimentos. Seus pensamentos distorcidos o levaram ao
ciúme doentio, pelo temor que algum homem pudesse tirá-la dele, assim, fez
planos para impedir qualquer possibilidade disso acontecer. Um dia, ao voltar
para casa, enquanto conversava com a esposa no quarto, retirou da bolsa um vidro
de ácido e jogou o conteúdo na face da mulher. Em um segundo, transformou a
bela face da esposa em um rosto horrendamente marcado. Em seguida, virou-se e
abandonou a casa.
Nesse ponto da conversa, duas décadas tinham se
passado desde que mãe e filha o tinham visto pela última vez. A jovem, agora na
faixa dos vinte anos, era pequena quando esse trágico evento aconteceu, e a
amargura no seu coração ainda permanecia tão viva quanto no dia em que viu a
face da sua mãe transformada de beleza em feiúra – tão terrivelmente deformada
que a pobre mulher forçava a pequenina a cobrir o rosto para não ver o que
havia sido feito com o rosto da mãe.
Mas a história não acabou aí. Poucos dias antes de
nossa conversa, a mãe, que sustentou a família sozinha, ouviu notícias sobre o
marido que a abandonou. Estava morrendo de câncer e vivendo sozinho. Ele queria
saber se a esposa o receberia de volta e cuidaria dele na última etapa da
doença. O pedido audacioso foi um ultrage para a jovem. Entretanto a mãe, uma
devota seguidora de Jesus Cristo, implorou aos filhos que a deixassem receber o
marido e cuidar dele enquanto ele se preparava para a morte.
Nessa história, vemos todos os elementos da
decadência humana e o poder do coração remido. Levando-se em consideração
apenas a moralidade, ele estava recebendo o que merecia. O coração remido diz:
“Deixe-me cuidar de suas feridas, pois sua alma precisa de cuidados”. A
moralidade: “Não há nada de razoável no pedido do homem”. O coração remido diz:
“O coração misericordioso que não guarda mágoa é a razão pela qual vivemos”. A
moralidade diz: “Depende do que você crê ser certo ou errado”. O coração remido
diz: “O que Deus gostaria que eu fizesse nessa situação?”. A moralidade diz:
“Faça seu julgamento”. O coração remido diz: “Não julgue, a menos que queira
ser julgado pelos mesmos critérios”. E, em resumo, a moralidade é uma faca de
dois gumes. Ela corta quem a segura, mesmo que a intenção seja ferir o outro.
Muitas vezes tenho me perguntado se muitas pessoas
que falam o nome de Jesus não carecem dessa verdade. Penso, também, que ao
desconhecer isso, perdemos a coisa mais importante que não raro está escondida
no que parece ser o ponto principal. Ao nos postarmos perante Deus, não me
surpreenderia descobrir que o verdadeiro foco da história do filho pródigo era
na verdade o irmão mais velho; que o verdadeiro foco da história do bom
samaritano era o sacerdote e o levita que seguiram seu caminho; que o
verdadeiro foco da história das mulheres chegando primeiro a tumba é o fato de
os discípulos não o terem feito; que o verdadeiro foco da história de Jó era os
seus amigos moralizadores. Quem age de acordo com as regras pensa às vezes que
isso é o suficiente e merece a devida recompensa. Entretanto, Deus repetida
vezes mostra que sem redenção do coração, a moralidade é vazia.
No jardim, não fomos nós os condenados, mas somos nós
que tentamos condenar Deus, culpando-o pela situação e queremos redefinir tudo.
Se tivéssemos obedecido a tudo, ainda assim teríamos perdido se chegássemos à
conclusão errônea de que merecíamos o que o jardim oferecia. Qual é então a lei
moral no crente?
Como isso funciona em minha vida? Que lugar ocupa a
lei moral? Os fios são tantos, o padrão é complexo – porém a análise é simples.
Nosso arcabouço moral é crucial no respeito que mostramos por nós mesmos e
pelos outros seres humanos. Pense nisso como a cunhagem de sua vida e de sua
rotina diária. Mas essa cunhagem não terá valor se não estiver baseada nas
riquezas do plano de Deus para seu bem-estar espiritual.
A moralidade é fruto do conhecimento de Deus,
conscientemente ou não. Entretanto, ela jamais deve constituir a raiz de nossa afirmação perante Deus. A
moralidade pode dar vazão ao orgulho, e também a filantropia. A verdadeira
espiritualidade nunca se submeterá ao orgulho. Dito tudo isso, a moralidade é
ainda o terreno onde o espírito criativo da arte e de outras disciplinas pode
se desenvolver. Porém, caso se desenvolva no sentido de uma auto-valorização
exagerada, então será a moralidade pela moralidade. Se florescer em direção ao
céu, levará outras pessoas a Deus.
A lei moral também serve como profunda advertência de
que em Deus não há contradição. A lei moral se mostra como expressão do caráter
divino consistente e livre de contradições. Se violar essa lei, penso, trarei
contradição para a minha vida; e ela começará a desmoronar. É por isso que o
espírito humilde, quando honra a Deus, percebe quão perto e, no entanto, quão
longe ele está de Deus.
O grande tecelão – Ravi Zacharias – páginas 88 a 91
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