quarta-feira, 4 de maio de 2011

Reflexão





Um mundo morto de fome


NENHUM cristão, ou melhor, nenhum historiador poderia aceitar o epigrama que define a religião como “o que um homem faz com a sua solidão”. Foi um dos Wesleys, acho eu, que disse que o Novo Testamento não faz menção a qualquer religião solitária. Somos proibidos de negligenciar a nossa própria estrutura como um todo. O cristianismo já é institucional nos seus documentos mais antigos. A igreja á a noiva de Cristo e nós somos membros uns dos outros.

        Em nossa era, a ideia de que a religião pertença a nossa vida particular – ou seja, que é, na verdade, uma ocupação para a hora de lazer – é ao mesmo tempo paradoxal, perigosa e natural. Ela é paradoxal, porque essa exaltação do indivíduo no campo religioso se apresenta em um tempo em que o ser coletivo está derrotando duramente o indivíduo em todos os demais campos. [...] Há muitos caras intrometidos, autointitulados mestres-de-cerimônias, cujas vidas são devotadas a destruir a solidão onde quer que ainda possa haver solidão. Eles chamam isso de “tirar os jovens para fora de si mesmo”, ou “despertá-los”, ou “fazê-los superar a sua apatia”. Se um Agostinho, um Vaughan, um Traherne, ou um Wordsworth tivessem nascido no nosso mundo moderno, os líderes de um grupo de jovens logo os curariam. Se lares realmente bons, como o lar de Alcino e Areta na Odisséia, ou os Rostovs de Guerra e Paz, ou qualquer das famílias de Charlotte M. Yonge, existisse hoje, eles seriam denunciados como burgueses, e máquinas de destruição seriam programadas contra eles. E mesmo quando os controladores das máquinas falhassem e alguém fosse deixado no seu cantinho, as máquinas sem fio o alcançaria, de forma que seria – num sentido não pretendido por Scipio – nunca menos solitário do que quando sozinho. Nós vivemos de fato em um mundo faminto de solidão, silêncio e privacidade, e, ao mesmo tempo, faminto de meditação e amizade verdadeira.

C S Lewis – Peso da Glória

Nenhum comentário:

Postar um comentário