sexta-feira, 20 de agosto de 2010

O que Deus pode ser para mim



Nada, se para mim ele não existe. Sou ateu, teórico ou prático. Teórico, porque se digo que Deus não existe é porque tenho as minhas razões intelectuais; ou prático porque, se não nego a existência de Deus, vivo como se ele não existisse.
Deus pode ser para mim uma abstração. Metafísica pura. Um princípio independente do mudo. Causa e fim de todas as coisas. Motor imóvel, que é movimento e potência, como queria Aristóteles. A grande unidade, ponto de partida para todos os números, como pensava Galileu. O Bem supremo, como pretendia Platão. A mônada1 central, como preferia dizer Leibnitz. Ou Ser absoluto, perfeito, causa primeira e razão última de todas as coisas existentes ou possíveis, como ensinam os compêndios tradicionais de filosofia.
Qualquer desses conceitos, certo ou errado, não diz nada. Ou, se diz, diz muito pouco.
Pode ser a escultura que impressiona pelas linhas e pela perfeição: uma estátua, mesmo a que só falta falar, como Moisés de Miguel Ângelo, é sempre uma estátua.
Falta-lhe o calor da vida. A beleza inimitável da vida. Se Deus para mim é um mero conceito filosófico ou teológico, tenho o coração vazio dele. Se Deus não passa para mim de uma idéia encadernada, de papel, que conservo numa prateleira de minha biblioteca, essa é uma idéia oca. Sem consistência. De que me serve um Deus mumificado, empalhado?
Mas que é que Deus é então para mim?
Alguém. Deus tem que ser alguém. Não algo, mas alguém. Uma pessoa. Espírito. Conhecemo-lo pelos seus atributos, mas estes não fazem parte da natureza de Deus, uma vez que só se manifestam nas obras da criação e da Providência. Deus existe independente deles. É auto-existente.
Mas bastará que ele seja alguém?
E se for alguém ausente? Que tenha dado corda à criação - as leis seriam a corda - e se recolhido, como fazemos nós que damos corda ao nosso relógio e vamos dormir em seguida, deixando-o trabalhar sozinho?
Assim pensam os deístas2, que negam toda revelação e acreditam apenas na religião natural. Religião é o exercício da moralidade como obediência a Deus, dizem eles.
Ao contrário. Deus tem que ser alguém presente. Alguém interveniente. É o teísmo3. Deus como Providência.
Deus em mim. Na minha vida. No mundo das minhas afeições e a mais cara de todas elas: "Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento" (Mateus 22:37).
Deus como Pai, como Salvador, como Consolador, como Amigo. Amigo de todas as horas. Amigo mais chegado do que um irmão (Provérbios 18:24).
Deus vivendo comigo, dentro da mesma casa, no meu coração.
"Respondeu Jesus: Se alguém me ama, guardará a minha palavra: e meu Pai o amará e viremos para ele e faremos nele morada" (João 14:23).
Eis o que Deus é para mim. Ele é para mim o que foi para os patriarcas, para os profetas, para os apóstolos. E o que é para todos os cristãos autênticos.


1 Mônada: Átomo sem tamanho, cuja atividade é espiritual, e é a estrutura básica de toda e qualquer realidade seja física ou espiritual, e que é imaterial, indivisível e eterno.
2 Deísmo: doutrina que considera a razão como o único meio capaz de nos dar a certeza da existência de Deus. Rejeita, portanto, tanto o ensinamento como a prática de qualquer religião organizada.
3 Teísmo: Doutrina comum às religiões monoteístas, sendo caracterizada pela afirmação da existência de um único Deus, transcendente, soberano sobre todas as coisas e pessoal.


Pr. Rubens Lopes

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